Cineastas e festivais ligados ao Creative Commons mudam as regras do jogo

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O primeiro filme ganhador de Oscar (curta documentário, 1997) a ser licenciado sob uma licença Creative Commons foi A Story of Healing, de Donna Dewey. O curta-metragem acompanha o dia-a-dia de cirurgiões do Interplast, uma organização que oferece gratuitamente cirurgias plásticas reconstrutivas a pessoas com ferimentos e com deformidades congênitas. Em 2007, a ReSurge International , produtora do filme, reconheceu que compartilhar a obra sob uma licença Creative Commons poderia fazer com que sua mensagem alcançasse um maior número de pessoas.

Seis anos depois, cineastas de todas as partes do mundo estão utilizando licenças Creative Commons para levar seus filmes a novas audiências. E, nesse processo, muitos deles estão redefinindo os procedimentos de produção e de distribuição de obras cinematográficas. Obviamente, os filmes licenciados em Creative Commons não implicam o fim do Oscar, mas talvez eles se tornem parte de algo ainda mais interessante.

Como primeiro exemplo, tomemos o Sita Sings the Blues, de Nina Paley. A maioria dos leitores deste post provavelmente já assistiu a esse filme (se você ainda não assistiu, assista-o aqui). O que os leitores não devem saber é que, em 2013, Paley dedicou sua obra ao domínio público. A seguir, pode-se ler uma declaração da cineasta, que procurou explicar os motivos que a levaram a tomar uma decisão tão pouco ortodoxa em termos de direitos autorais:

… Ainda acredito na licença BY-SA do Creative Commons, mas a realidade é que eu jamais processaria qualquer pessoa por causa do meu filme ou de qualquer trabalho cultural. Continuarei a condenar publicamente todos os tipos de abuso, mas por que apontar uma arma carregada para todos se não vou disparar tiro algum? CC0 é uma forma de reconhecer que jamais ingressarei com uma ação contra nenhuma pessoa, independentemente do quanto ela seja má ou abusiva.

Há algumas semanas, Simon Klose lançou TPB AFK, o tão aguardado documentário – patrocinado pela Kickstarter – sobre as vidas dos fundadores do Pirate Bay, e sobre as dificuldades legais com as quais se depararam. Klose lançou duas versões da obra, uma em BY-NC-ND e outra em BY-NC-SA. De acordo com o cineasta, o filme conta com seis minutos de filmagens de uma rede de televisão que não aceita adaptações; por isso, ele resolveu lançar uma versão remixada que omitia as referidas filmagens, junto com a versão ND – não a obras derivativas. Tanto no caso de Klose quanto no caso de Paley, as licenças ensejam tipos de reuso e de participação criativa que poderiam se mostrar bastante problemáticos sob a perspectiva do padrão “Todos os Direitos Reservados”.

Em meados deste ano, membros da Nordic CC Community produzirão o primeiro Nordic Creative Commons Film Festival. Eles estão convidando qualquer pessoa da região a participar das mostras. Os locais de exibição variam de grandes cinemas a pequenas reuniões nas casas das pessoas. Os organizadores estão atualmente procurando voluntários para trabalharem na organização, assim como esperam por inscrições. Visite o site para maiores informações.

O Nordic Festival é o mais recente integrante de um movimento cada vez maior de festivais de filmes em CC, que começou com o Barcelona Creative Commons Film Festival. Este foi lançado em 2010, com o slogan “COPY THIS FESTIVAL” (“Copie este festival”). E foi exatamente o que as pessoas fizeram: hoje, já existem “cópias” em várias cidades do mundo: Buenos Aires, Cidade do México, Lima, Helsinki, entre outras.

Em uma mensagem feita em vídeo para os organizadores do Nordic CC Film Festival, Lawrence Lessig, um dos co-fundadores do Creative Commons, sugeriu que a futura cultura cinematográfica será bem menos vinculada à indústria audiovisual contemporânea, e cada vez mais parecida com o festival em questão.

Outra vertente da arte de fazer filmes – que curiosamente também se originou na Espanha – é o #littlesecretfilm, de Pablo Maqueda e Haizea Viana. Qualquer um pode criar um filme nessa linha, desde que siga uma lista de regras minimalistas (e.g.: terminar o processo de filmagem em 24 horas, diálogos informais). É difícil não fazer comparações com o Dogma95 – movimento vanguardista surgido na Dinamarca –, mas os organizadores do #littlesecretfilm destacam que eles não estão tentando fundar um novo movimento (entrevista em espanhol). O manifesto do projeto o descreve simplesmente como “um ato de amor ao cinema”, frase que também poderia descrever a expansão, a nível global, dos festivais de filmes em CC. E, é claro, os #littlesecretfilms precisam ser licenciados em Creative Commons.

Ao redor do mundo, cineastas e organizadores de festivais de filmes em CC estão modificando as regras de cada passo do processo de criação cinematográfica, desde a elaboração do roteiro até a monetização, passando pela filmagem, pela edição e pela distribuição. Em tempos de luta por redefinição e por modernização da indústria de filmes convencional, a comunidade Creative Commons não está ficando para trás.

*Adaptado do texto de Elliot Harmon, publicado em 19 de março de 2013.

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