O texto abaixo foi escrito por Scann, editora do perfil Creative Commons: We Like to Share no Medium e ativa colaboradora em assuntos GLAM no âmbito do Creative Commons internacional. A contribuição foi publicada originalmente em inglês no dia 16 de abril do presente ano.
A tradução que se segue foi realizada por um grupo de voluntários ligados ao capítulo brasileiro do Creative Commons. O objetivo foi contribuir na divulgação dos dados da pesquisa recentemente feita sobre o reconhecimento dos Princípios de OpenGLAM pelo setor cultural. E, de uma certa forma, colaborar também para que os Princípios OpenGLAM sejam mais conhecidos entre os profissionais falantes de língua portuguesa.
Os Princípios de OpenGLAM tratam de recomendações que podem ser seguidas por instituições culturais que se interessam em abrir-se para o mundo. Nesse movimento, os conteúdos relacionados às coleções que preservam são liberados de forma bastante permissiva. Ou seja, terceiros podem utilizar tais conteúdos de maneira aberta, seja por meio de traduções, remix, recriação, reprodução e muitas outras formas de criação.
Entre tais conteúdos estão contemplados desde dados de pesquisa sobre os objetos de um museu que são disponibilizados publicamente em formatos abertos para que outras instituições culturais os reaproveitem até mesmo imagens em boa resolução, permitindo que pessoas interessadas façam download dos arquivos e os reproduzam, com citação de autoria e fonte, sem pedir autorização às instituições. Eles fazem parte do imenso rol de contribuições que as instituições culturais podem trazer diretamente à sociedade com seu papel de produtoras de conhecimento.
Sendo assim, o artigo de Scann que se segue nos ajuda a pensar alguns caminhos para fazer com que os Princípios possam ser mais conhecidos, para tornar essa função social que as instituições culturais cada vez mais relevante.
Juliana Monteiro, coordenadora Open GLAM Creative Commons Brasil
Princípios de OpenGLAM: caminhos em direção ao acesso aberto para o patrimônio cultural*
No início da década de 2010, o OpenGLAM (“galerias, bibliotecas, arquivos e museus abertos” em tradução literal) foi criado: uma rede que promove o intercâmbio e a colaboração entre instituições culturais que apoiam o Acesso Aberto. O OpenGLAM é uma iniciativa e um grupo de trabalho da Open Knowledge Foundation (OKFN), atualmente conhecida como Open Knowledge International, e foi co-financiado pela Comissão Europeia. O Creative Commons, a Communia Association e a GLAM-Wiki community foram aliados desde o início da iniciativa.
Vários grupos locais do OpenGLAM foram fundados, especialmente na Europa. A rede faz divulgação de seu trabalho por meio de vários canais de comunicação: um site próprio e a conta OpenGLAM no Twitter; e trabalhou em conjunto com a Public Domain Review, outra iniciativa da OKFN, mas que agora é independente.
A fim de delinear os valores compartilhados por trás das ideias de acesso livre e aberto ao patrimônio cultural digital, o grupo de trabalho elaborou em 2013 um conjunto de Princípios de OpenGLAM, com o objetivo de definir o que significa ser uma instituição aberta no setor do patrimônio cultural.
Na medida em que o Acesso Aberto se tornou amplamente adotado no setor cultural, a necessidade de uma colaboração mais forte entre as partes interessadas nesta área aumentou. Em 2018, um grupo de pessoas ligadas ao Creative Commons, à Wikimedia Foundation e à Open Knowledge International tomou a iniciativa de revitalizar a rede OpenGLAM e de pensar os próximos passos. O Creative Commons está fazendo um trabalho fundamental nessa frente, ajudando as instituições de patrimônio cultural a liberar seu conteúdo por meio do uso de suas licenças padrão e oferecendo treinamento, como os Creative Commons Certificates. O primeiro passo foi dar um novo fôlego à conta @OpenGLAM do Twitter com uma chamada aberta para colaboradores e realizar uma pesquisa de “verificação de temperatura” quanto aos Princípios OpenGLAM. Aqui, queremos apresentar algumas conclusões e possíveis passos a serem tomados. Você pode acessar e comentar a análise completa da pesquisa aqui.
Examinando os Princípios do OpenGLAM
Nós divulgamos a pesquisa por meio das redes sociais, principalmente por meio da conta @OpenGLAM, e contatamos pessoas específicas que queríamos que participassem da pesquisa. Recebemos um total de 109 respostas. A maioria dos participantes pertencia à Europa (30%) e à Oceania (25%), seguida pela América do Norte (19%), América Latina e Central (19%). Obtivemos um número muito baixo de respostas da Ásia e do Oriente Médio, e nenhuma resposta da África. Além das falhas de nossas estratégias de divulgação, isso também demonstra um dos aspectos problemáticos dos Princípios: eles estão disponíveis apenas em inglês, portanto, adicionam uma barreira extra à participação.
Também queríamos saber a relação que os participantes tinham com as instituições GLAM. Bibliotecários foram os mais ativos na pesquisa (27%); seguidos por profissionais de museu (11%), acadêmicos e organizadores da comunidade, por exemplo, wikimedistas em residência (23%). Apenas 7% pertenciam a arquivos, seguidos por 8% de pessoas que trabalhavam como assessores ou consultores externos de uma organização GLAM. 21% responderam que ocupavam mais de um cargo ou que trabalhavam para uma instituição na qual executavam mais de uma função.
Descobrimos que os Princípios não são bem conhecidos — quase metade dos entrevistados (45%) não tinha conhecimento deles antes de fazer a pesquisa. Então, pedimos aos participantes para dizer se eles achavam que os Princípios poderiam ser úteis para os seus trabalhos, obtendo uma grande maioria de respostas positivas (72%), com 25% considerando que “talvez” e apenas uma pequena porcentagem alegando que não consideraram que eles poderiam ser úteis (3%).
Entre aqueles que não os consideravam úteis, a maioria das críticas estava relacionada à falta de apoio de uma organização oficial, ou a falta de comunicação e conexão entre essas organizações e as instituições de patrimônio cultural e a ausência de uma estrutura de apoio para tais entidades oficiais. Como um entrevistado resumiu:
“Open Data, etc. não são organizações relevantes no campo cultural. Elas precisam ser apoiadas por organizações relevantes. Precisamos ter diretrizes e valores para discutir; para construir uma melhor estrutura e rede.”
Entre os respondentes que consideraram os Princípios válidos para uso, a maioria mencionou a utilidade de ter uma estrutura e um conjunto de valores para usar como um guia para o seu trabalho. No entanto, em sua versão atual, a opinião foi de que os Princípios oferecem pouca ou nenhuma orientação. O escopo limitado dos exemplos fornecidos; seu foco principal na divulgação de dados; a falta de reconhecimento da tensão entre o acesso aberto e os interesses e direitos de outras partes interessadas, tais como grupos marginalizados ou comunidades indígenas; e a ausência de uma perspectiva global mais ampla sobre o patrimônio cultural foram sinalizadas como preocupações que precisam ser abordadas em uma possível atualização. Como um participante afirmou:
“Informações com restrições pessoais, culturais ou sociais, como conhecimento tradicional, não devem ser apenas ‘liberadas’. Nós exigimos algum reconhecimento das complexidades do conhecimento cultural”.
Os participantes da pesquisa também foram questionados se entendiam que os Princípios precisariam ser atualizados, e, em caso positivo, como fazê-lo. Os entrevistados indicaram que gostariam de ver mais diretrizes sobre como aplicar os princípios na prática, além de mais e melhores exemplos de um conjunto mais diversificado de instituições que trabalham com Acesso Aberto. Os participantes também noticiaram a necessidade de criar uma estrutura mais adequada, responsável pela manutenção dos Princípios. A falta de integração com valores e declarações mais abrangentes também apareceu como um ponto fraco dos Princípios. Conforme dito por um dos participantes:
“Deveria ser dada maior ênfase sobre a perspectiva dos Direitos Humanos. O acesso ao patrimônio cultural é um direito consagrado em diversas cartas e declarações de Direitos Humanos.”
Além dessa avaliação imediata dos Princípios OpenGLAM, é necessário que perguntemos a nós mesmos: quais seriam as funções e usos mais amplos dos Princípios? Sabemos que as instituições do setor do patrimônio cultural necessitam de mais e melhores diretrizes para aplicar as políticas de Acesso Aberto aos seus acervos. Há crescentes evidências que sustentam essa afirmação, incluindo relatórios encomendados pela Europeana acerca da precisão das declarações de direito autoral, bem como pesquisa sobre as políticas e práticas de Acesso Aberto, realizada por Andrea Wallace e Douglas McCarthy, que demonstram a disparidade na aplicação das políticas de Acesso Aberto entre as instituições culturais. E ainda que se possa forcener mais treinamento, como os CC Certificates, e melhores estratégias de advocay e melhores ferramentas possam ser disponibilizadas, recomendações e declarções também podem ser elementos úteis para as pessoas que estão no trabalho de convencimento dentro de suas instituições ou com instituições com as quais trabalham de alguma forma.
A relação de Declarações que apoiam o Acesso Aberto mantidas pelo Diretório Open Access tem um forte foco em publicações Acesso Aberto acadêmicas e de dados científicos, e mostram uma lacuna evidente nos princípios ou declarações que tangem especificamente o patrimônio cultural, incluindo algumas das preocupações em torno do conhecimento tradicional, direitos indígenas ou outros aspectos problemáticos da digitalização e liberação aberta de conteúdo.
Nós esperamos que possamos nos unir para trabalhar em um diálogo mais amplo com os setores responsáveis pelo patrimônio cultural, sobre melhores diretrizes para aplicação do acesso livre. Como parte desse diálogo mais abrangente, estamos atualmente trabalhando em um esboço e realizando encontros mensais com defensores e profissionais engajados no assunto. Teremos mais estratégias de acompanhamento durante o ano, a fim de envolver o maior número de pessoas possível.
Se você estiver interessado em participar, por favor entre em contato por meio da lista de discussão do OpenGLAM, participe dos encontros mensais da comunidade ali anunciados, ou participe do canal #cc-openglam no Slack do Creative Commons.
Você pode ler, e comentar sobre o extenso relatório da pesquisa sobre os princípios OpenGLAM clicando aqui.
* Tradução: Giovanna Fontenelle, Natalia Abramides, André Houang e Juliana Monteiro.