Imagine um livro do qual você goste muito, mas, por alguma razão, adquiri-lo seja quase impossível, ou porque a obra é muito cara, ou porque é rara, saiu de catálogo etc. Outro exercício: imagine que você tenha à mão esse livro muito caro, raro ou que saiu de catálogo e deseje que mais pessoas possam lê-lo.
O site pretende, por meio de doações, adquirir os diretos autorais de determinadas obras e disponibilizá-las em Creative Commons
Seja pelo desejo pessoal de ter acesso a uma obra ou pela motivação altruísta de compartilhá-la com o mundo, a sua vontade, provavelmente, é que o livro possa ser acessado de alguma forma – de preferência pela internet e em formato digital (e-book).
Não é só você que quer isso. Os fundadores e os usuários do Unglue.it (em tradução livre, ‘Descole’) também. O site – uma plataforma de crowdfunding – pretende, por meio de doações, negociar o direito de publicar digitalmente determinadas obras. Se a arrecadação for suficiente, o livro é digitalizado e fica disponível sob a licença Creative Commons, que permite leitura e distribuição gratuitas do e-book.
Lembrando: já falamos de crowdfunding na CH On-line. É basicamente um sistema de financiamento coletivo de projetos; há um sem-número de plataformas que possibilitam a inscrição de propostas com as mais variadas facetas: cultural,esportiva e até científica. O Unglue.it é uma das poucas que existem especializadas em captar recursos exclusivamente para livros.
Fundado em maio deste ano nos Estados Unidos, o site é voltado tanto para leitores quanto para detentores do direito autoral de obras já lançadas. No Unglue.it, os donos dos direitos de livros publicados inscrevem suas obras para serem negociadas e veiculadas em Creative Commons. Além disso, fãs carentes de algum livro podem fazer campanha pelo direito de publicar e distribuir a obra. O raciocínio: quanto mais pessoas estiverem ávidas para compartilhar uma obra, mais fácil será convencer o detentor dos direitos a permitir que o livro seja ‘arrendado’ no Unglue.it.
Como quase todo projeto no esquema crowdfunding, quanto mais dinheiro você doar, maior será a sua recompensa por ter ajudado. No caso do Unglue.it, a recompensa vai desde o livro ser entregue diretamente na sua caixa de e-mail até mensagens de sua autoria serem colocadas no final da obra.
Até agora, um projeto de captação foi bem-sucedido: adquiriu-se o direito de publicar o livro Oral literature in Africa (Literatura oral na África, em português), importante estudo feito na década de 1970. A obra – atualmente fora de catálogo – custou 15 mil reais e contou com a ajuda de 286 doadores. O livro digital será lançado em breve.
Nem tudo vai bem
A ideia do Unglue.it é boa. Ganhou adesão, repercutiu no exterior e, em menor escala, no Brasil. Mas foi por outra razão – nem tão nobre e um tanto inesperada – que a iniciativa chamou atenção neste mês; um imbróglio que sugere atuação pouco sutil de um gigante do mercado editorial: a Amazon, a loja virtual que mais vende livros digitais no mundo.
Imbróglio que sugere atuação pouco sutil de um gigante do mercado editorial: a Amazon
A história é inusitada e foi contada no blogue da empresa de crowdfunding: segundo os administradores do Unglue.it, o sistema de pagamento virtual contratado pela plataforma – a Amazon Payments, da Amazon – avisou que não prestará mais serviço para o site.
Segundo a nota do blogue, a Amazon deixou claro que não pretende trabalhar com novas iniciativas do ‘tipo crowdfunding‘ no momento. Vale ressaltar que um dos mais importantes sites de financiamento coletivo no exterior é o Kickstarter, que promove iniciativas variadas e usa o sistema de pagamento da Amazon.
Por mais que as matérias nos veículos estrangeiros relutem em deixar claro qual é a razão dessa saída de cena, a jogada da loja virtual soou tão grosseira que alguns articulistas sugeriram que a Amazon está, na verdade, boicotando um possível concorrente. Um artigo publicado na Wired, por exemplo, insinuou que a Amazon tem receio de ver estremecido o seu modelo de negócios.
A equipe do Unglue.it, por sua vez, avisa no blogue que já está trabalhando em uma solução. E vislumbra: “Talvez um dia bilhões de pessoas estejam lendo livros ‘descolados’ [unglued] e olhem para trás espantados com o punhado de tempo durante o qual a Amazon dominou o mundo dos e-books.”