Nos dias 20 e 21 de Novembro de 2012, representantes do Creative Commons (CC) de toda a América Latina se reuniram no México para a reunião CC LatAm Summit 2012. Em sessões com a participação do governo, da iniciativa privada, de acadêmicos, artistas, desenvolvedores e dos representantes da própria organização, foram abordados os temas mais relevantes atualmente no contexto regional e global do CC.
Muito se discutiu no curso do encontro o acesso aberto, como concretizá-lo e como o CC se relaciona a isso. Particularmente, falou-se em governo aberto, e como o Creative Commons pode prover a estrutura legal necessária à sua operacionalização.
O governo aberto é uma estrutura de gestão da coisa pública baseada no acesso aberto e na livre participação do cidadão. Utilizando as ferramentas eletrônicas atualmente disponíveis, intensifica a comunicação entre governo e sociedade e entre os próprios cidadãos, sendo, neste sentido, baseado também no governo eletrônico (e-government).
Governo aberto e eletrônico são conceitos atrelados ao ideal de aperfeiçoamento do processo democrático. Dão à sociedade os meios necessários para se fazer ouvir e para atuar na esfera governamental (o livre ativismo do cidadão), como processos decisórios e até legislativos abertos à participação popular (exemplos são o Marco Civil da Internet e o projeto de reforma da Lei de Direito Autoral, no Brasil). Ademais, são fundamentados no fortalecimento da prestação de contas do governo à sociedade com a liberação dos dados governamentais em meio eletrônico (o acesso aberto) e o provimento da infraestrutura necessária para o efetivo acesso do cidadão a esses dados.
Durante o encontro, foi pontuado que um elemento fundamental no governo aberto é a transparência, pois serve ao objetivo de prestação de contas e é precondição para a participação informada do cidadão. Ainda, que uma iniciativa de abertura depende especialmente da vontade política dos governantes.
O ex-senador mexicano, e um dos promotores da Agenda Digital Nacional no país, Francisco Javier Castellón evidencia que muitas vezes a implantação de um governo eletrônico não conduz necessariamente a um governo aberto: o ingresso dos órgãos governamentais na Internet pode servir meramente a fins de propaganda, sem proporcionar de fato à população os meios de participação e controle necessários à abertura.
Assim, segundo Castellón, há caminhos essenciais a serem seguidos para sua implantação efetiva. Primeiro, a interlocução com governantes desde a época de campanha para que apoiem a iniciativa. Segundo, a interlocução com grupos ativistas já envolvidos no tema. Terceiro, e talvez mais importante, a conceptualização precisa do que deve ser um governo eletrônico aberto.
Neste ponto, a participação de Manuel Tamaes, responsável de Relações Governamentais da Google no México, pode auxiliar na concepção das possibilidades de um governo eletrônico aberto. Sua apresentação focou-se nas ferramentas que a empresa tem à disposição para a coleta e análise de grandes quantidades de dado, e como essas ferramentas poderiam ser aplicadas em benefício da sociedade.
Tamaes descreveu como a Google tem, por meio de seus diversos serviços, acesso a uma imensa quantidade de dados sobre seus usuários – ressaltando a preocupação da empresa em respeitar a privacidade de cada um. Esse arcabouço pode ser utilizado para a verificação de tendências na sociedade por meio de análise e composição de informações mais apuradas.
Assim foi feito no projeto Google Flu Trends: com base nas palavras-chave de buscas em sua plataforma google.com, juntamente às informações de geolocalização correspondentes, foi verificada uma relação entre buscas por termos relativos a sintomas da influenza e a eclosão de epidemias da doença em certas regiões. Esta previsão era precisa e com antecedência de duas semanas à epidemia.
Demonstra-se, assim, o poder que uma grande base de dados pode ter quando utilizada de maneira adequada. Ao se pensar em um governo eletrônico aberto, este é um dos aspectos a ser levado em conta. Os dados coletados e a informação produzida por órgãos governamentais já são fruto, fundamentalmente, da contribuição da população e, portanto, deveriam ser revertidos em seu benefício. A melhor forma de fazê-lo, conforme propõe a ideologia do governo aberto, é disponibilizá-los livremente para o conhecimento, análise e reuso pela população.
Relacionada a isso, e também parte da conceptualização de um governo eletrônico aberto, é a adoção do licenciamento aberto. As licenças Creative Commons, e outras formas de licenças abertas relacionadas a outros tipos de bens intelectuais, são a infraestrutura legal ideal para o livre acesso por meio eletrônico a dados governamentais. Isto, porque são feitas justamente para aproveitar o potencial de compartilhamento e colaboração da Internet.
Assim, pode-se pensar em um governo eletrônico aberto que disponibilize gratuitamente e sob licenças CC BY-NC-SA, por exemplo, todos os artigos científicos produzidos em universidades públicas; ou apostilas e planos de ensino escolar para a reutilização e adaptação (como fez a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo); ou toda sorte de dado, informação e produção intelectual (como no Portal Brasileiro de Dados Abertos) fruto de financiamento público.
Cabe ressaltar, entretanto, que há outros interesses e princípios envolvidos na abertura de dados, além do acesso à informação. Castellón descreveu como uma iniciativa mexicana de liberação de dados governamentais relativos aos salários de seus funcionários não logrou êxito devido a preocupações com segurança. Esta dicotomia é natural em qualquer Estado Democrático de Direito, em que princípios devem ser sopesados para se obter um resultado constitucional e democraticamente acertado.
Outros pontos importantes na implantação de um governo eletrônico aberto são o planejamento a longo prazo e o seu enraizamento em leis. A abertura e a transposição do governo ao universo digital são processos que desafiam interesses de manutenção de estruturas antigas, pois são movimentos de transformação e inovação. A resistência política e a simples falta de recursos ou conhecimento podem ser grandes obstáculos, apenas superados com um plano digital estável (como a Agenda Digital Nacional mexicana). Portanto, deve-se planejar a longo prazo, levando em conta essa resistência, e firmar conquistas e avanços em normas federais, estaduais e municipais, para que a evolução do governo eletrônico aberto não esteja à mercê de flutuações políticas.
Conclui-se, então, que a reestruturação do governo de forma a aprimorar a participação democrática e o uso das informações públicas é um processo político desafiador, mas com imenso potencial benéfico à sociedade. Um governo eletrônico aberto necessita, para sua implantação, de vontade política, produzida pela pressão da população e da sociedade civil organizada sobre seus governantes. Precisa, ainda, de uma definição clara de seus contornos, do que deve ser. Isto perpassa uma reflexão sobre qual o potencial da Internet para atender a necessidades da sociedade e sobre como encontrar equilíbrio entre abertura e segurança ou privacidade. Ainda, precisa da construção de uma ampla infraestrutura de acesso e de uma organização dos meios de acesso que preze pela comunicabilidade, de forma que todos possam aceder igual e livremente àquilo que é público. Além disto tudo, requer uma estrutura legal que facilite o compartilhamento e a reutilização dos dados: as licenças Creative Commons.
Iniciativas em Cultura Livre
O encontro CC LatAm contou também com a apresentação de iniciativas em Cultura Livre, além de um produtivo workshop sobre o uso de uma nova ferramenta de colaboração online, a Peer to Peer University (P2PU). Seguem abaixo cada um desses projetos com os respectivos links.
Laboratório Procomún: um repositório de produção coletiva
O Procomún é um repositório, o que significa que, diferente de um arquivo, se propõe a armazenar tanto conteúdo quanto ferramentas para produzi-lo. Nesse laboratório digital se reúnem meios de produção em diversas área e os resultados são todos armazenados no site. Os cursos do Procomún são presenciais (atualmente têm sede no México e atividades em outros países latino-americanos) e requerem apenas que a produção seja relacionada aos bens comuns.
Festival CC CMX
O festival nasceu como um espaço de discussão sobre a produção livre, com foco em ajudar autores a compreender o direito de autor e o uso das licenças Creative Commons. Organizado em torno de workshops, mesas de diálogo e exibições, teve o importante apoio de blogueiros e de cineclubes já estabelecidos na cidade do México.
Cambalache
Um site que busca aproximar o licenciamento livre dos produtores de conteúdo. Funciona organizando festivais e concentrando conteúdo licenciado em CC para fortalecer a comunidade dos commons.
Projeto Sonidero
http://elproyectosonidero.wordpress.com/about/
Coletivo cultural que estuda o fenômeno dos sonideros em suas mais variadas feições. O projeto é inspirado no estudo sobre Tecnobrega feito pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio e recentemente lançou um livro licenciado em Creative Commons chamado “Sonideros en las Aceras”.
Wikimedia Commons
http://commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page
O Wikimedia Comons é um arquivo digital de conteúdo licenciado em Creative Commons que serve aos outros projetos da Wikimedia Foundation. Na ocasião deste CC LatAm 2012, apresentou-se um projeto para o aprimoramento dos artigos sobre monumentos históricos mexicanos na Wikipedia, o Wiki Loves Monuments. Por meio de um concurso de fotografias, todas postadas no Wikimedia Commons, obteve-se imagens de mais de 9.000 monumentos apenas no México, todas feitas por usuários da Wikipedia.
Peer to Peer University (P2PU)
A P2PU integra a School of Open e pretende ser uma plataforma colaborativa de ensino e aprendizagem em acesso aberto. O site oferece cursos em variados temas relacionados ao acesso aberto, todos criados coletiva ou individualmente por usuários cadastrados. Ainda em fase de testes, o projeto tem um imenso potencial de crescimento e atende a uma forte demanda – inclusive do próprio Creative Commons – por ferramentas tutoriais simples.
—
Veja mais vídeos do CC LatAm Summit 2012 na página do Creative Commons México.